terça-feira, 30 de outubro de 2012

Missão muy grata pt. I & II - Mestres afiados, legados mantidos


     Gurizada medonha: ainda extasiado pelo fim de semana, trago aqui minhas impressões misturadas sobre os shows de Jack Bruce e Robert Plant em Porto Alegre. Para quem se interessar, há relatos individuais tanto da passagem de Bruce quanto da vinda de Plant. Os que foram num ou noutro estão convidados a usar os comentários para elogiar, comentar, xingar, dizer que fulano ou beltrano é o máximo (ou que está totalmente acabado) e assim por diante.

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     A primeira parte da autointitulada Missão muy grata consistia em ver, nos arredores do mesmo fim de semana, duas lendas extraídas da mesma frutífera época: o ex-baixista do Cream, Jack Bruce (que veio com sua Big Blues Band), e o eterno vocalista do Led Zeppelin, Robert Plant (que trouxe consigo a Sensational Space Shifters). Dois responsáveis diretos, pelas suas bandas, por delinear aqueles que seriam os pilares fundamentais do rock pesado nas décadas seguintes. E cujas primeiras (e talvez únicas) aterrissagens em terras sul-rio-grandenses não poderiam ser desprezadas.

Foto: Rio News/virgula.uol.com.br

     O primeiro a ser visto foi Bruce, que surgiu por trás das cortinas do Teatro do Bourbon Country na sexta-feira, 26. De cara, lascou um daqueles clássicos absolutos do gênero que a banda carrega no nome: First Time I Met the Blues, em versão power trio básico. Logo em seguida, veio ao palco o restante da formação, com teclado e naipe de metais. O reforço de contingente mostrou sua força já na terceira música da noite, Politician. O clássico do Cream, do álbum Wheels of Fire (1968), foi ovacionado logo de cara, com seu inconfundível riff, puxado pelo baixo trovejante de Bruce.
     O instrumento do capitão do time, diga-se, merece um parágrafo a parte. Por todo o show, o Warwick fretless (sem trastes) do homem esteve em volume consideravelmente mais alto do que o restante da banda. O sujeito da jaqueta preta ainda mostru extrema facilidade para executar seus fraseados fortes e precisos. Seu baixo literalmente estrondoso deu peso e consistência ao som de um grupo repleto de influências que não estavam necessariamente ligadas ao rock. Bruce ainda deixou o escudeiro de lado em alguns momentos para executar peças no teclado, como Theme for an Imaginary Western, de sua carreira solo.
     Como ex-membro de uma banda essencial na história do rock, é claro um número generoso de clássicos do Cream teriam de ser despejados. Assim, vieram ótimas versões para grandes músicas feito Born Under a Bad Sign, a obrigatória Spoonful (com mais de 10 minutos nada cansativos) e a dramática We’re Going Wrong. Nesta, o brilho foi todo do ótimo Tony Remy, guitarrista que executava cada nota com intensidade invejável. O guitarman fez as partes um dia gravadas por ninguém menos que o deus Eric Clapton sem abrir mão das suas características ou prescindir dos famosos bends blueseiros.
     A reta final do show chegou em altíssimo estilo: era a sensacional White Room, cuja introdução tocada de forma impecável exaltou os ânimos de um público que mantinha-se controlado e acomodado nas bem estofadas cadeiras do teatro. A seguir, um prolongado solo de bateria serviu de prenúncio ao momento mais aguardado da noite: Sunshine of Your Love. Neste momento, o respeito aos lugares numerados foi para o espaço com a excitação provocada por um dos melhores riffs já surgidos no rock’n'roll – e que teve uma roupagem interessante com o trio de sopros acompanhando as notas da guitarra. O sorridente Jack Bruce nem precisou pedir ao público que o ajudasse a cantar o refrão do maior clássico do Cream.
     A banda rapidamente deixa o palco e retorna para o bis, que trouxe o encerramento definitivo com outra música da lendária banda, o blues/rock Sitting on Top of the Wold. Terminava assim, com ares de aula, o show de Jack Bruce e seu grupo, que soube como poucos conduzir a mistura de um monte de nuances de blues e jazz. E que deu a certeza da obrigatoriedade do nome do sr. Bruce na lista do tema de casa de quem pretende estar autorizado a viver, tocar ou falar de rock’n'roll.

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     Segunda-feira, volta ao trabalho e é na estrada de novo. Desta vez para ir ao Gigantinho ver o show de outra divindade rockeira: Robert Plant. Confesso que, para ver o velho Robert, cumpri uma espécie de trajetória de preparação. A euforia gerada pelo anúncio do show chegou a dar lugar a uma perda quase que absoluta de meus próprios horizontes (vide este meu post no Twitter). Foi a chave para buscar mais informações sobre o que andava fazendo este alemão (chê, aqui quem tem cabelo loiro é alemão e não tem papo) de voz endiabrada. Foi a chave, também, para que me despisse de preconceitos e fosse ao pequeno Gigante com a mente arejada para apreciar o que Plant e sua banda Sensational Space Shifters tinham a oferecer.
     Findado o show de abertura (a cargo de, pasmem, Renato Borghetti, o Borghettinho), era hora de deixar a ansiedade massagear cada centímetro de pele do corpo. Até que, às 21h35min, Plant & seus sensacionais entram no palco, sob óbvia ovação de um público que encheu a casa para tomar a bênção do mestre. A abertura, como de praxe na turnê brasileira, veio com a forte Tin Pan Alley, que incendiou os pobres mortais em suas partes mais rápidas. Não demorou muito e veio Friends, a primeira peça zeppeliana da noite. Arranjo certeiro e o vasto potencial vocal de Plant posto em combinação com as memórias daquelas 10 mil almas, num momento de celebração quase hipnótico.

Foto: Rodrigo Kampf
     Transbordando carisma, Plant não tirava a expressão alegre do rosto e interagia com o público em frases breves. Vieram, então, as experimentações. Primeiro, com a Spoonful que já havia sido executada dias antes por Bruce. Mais adiante, com uma roupagem para Black Dog que, dos velhos tempos, conservou apenas a letra e a interação com o público no inconfundível “ah, ah…”. Na sequência, outra da carreira solo, a bela All the King Horses. Confesso que, mesmo com o já citado ritual feito, tive dificuldades para digerir alguns momentos do show. Por vezes, os arranjos soavam longos e enfadonhos. Quando a adrenalina baixava, porém, sempre havia um petardo do Zeppelin na manga, como Bron-Y-Aur Stomp e Four Sticks, onde foi possível ter o privilégio de ouvir uma das poucas incursões de Robert Plant em seus extraordinários agudos.
     A rotação do show ganharia novas e aceleradas proporções com a espetacular Ramble On. O clássico definitivo de Led Zeppelin II renovou o fôlego do espetáculo e arrancou dos pulmões dos presentes um grito intenso o suficiente para abafar o som vindo dos PAs durante o refrão, antes do encerramento com a obrigatória Whole Lotta Love. Que também veio em forma de releitura, mas com guitarras distorcidas, algo escasso neste estágio da carreira do homem.
     Quando parecia que o show havia atingido o ápice com Ramble On, uma das últimas do set inicial, veio o famoso bis programado, com o real momento de catárse: a sublime Going to California. Mais uma vez, precisão dos músicos da banda para tocar as partes um dia feitas por John Paul Jones e Jimmy Page, o que abriu caminho para (mais) uma interpretação impecável de Plant – cuja voz está em grandiosíssima forma, com evidente exceção para os tons agudos foram deixados de lado ao máximo. Uma dose de incredulidade e outra de absoluta aprovação tomaram-me durante esta música, que deu-me a sensação definitiva de satisfação por ter estado naquele lugar. Ainda houve tempo para uma empolgante versão de Rock and Roll – com rititi e sem solo. Um prólogo do clímax que já havia ocorrido com outro número do legendário Led Zeppelin IV.
     De maneiras que, guardadas as devidas proporções, são semelhantes, Jack Bruce e Robert Plant mostraram que estão afiados, esbanjando competência em uma altura considerável da idade e da carreira. Mesmo beirando os 70 anos, ambos percorrem o mundo sem medo de buscar novidades e jamais ignorando o brilhante passado – ainda que ajustando este a seus momentos atuais. Plant com mais ousadia, Bruce de um modo menos radical. Privilegiados que somos de vermos divindades rockers como estas ainda na ativa, se valendo da forma mais nobre possível para manter os legados deles e de seus antigos grupos: dando continuidade à obra.

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