terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Acessos de Hiperatividade: Hells Angels Pt 2


A Caveira Alada é o símbolo do clube

     Nesta segunda parte da minha (viagem ) crônica sobre os míticos Hells Angels pretendo comentar justamente o motivo de eu usar esse adjetivo para os descrever. O que eles faziam, de bom e de mau, apesar de às vezes ser aumentado e exagerado pela imprensa da época, atingia um certo nível até então inexplorado, e só faz sentido quando nos damos conta dos seus antagonistas na sociedade americana da época, os Hippies, com quem só tinham em comum o uso abusivo de drogas. Como da outra vez, uso trechos do livro homônimo à gangue, escrito por Hunter Thompson, como base das minhas opiniões e transcrevo trechos interessantes.



     
Origens remontam a WWII, vide parte 1
     Começo por derrubar um engano comum: se tu compras uma Harley, ou qualquer outra marca que te venda uma custom, tu não estás dirigindo igual um motociclista fodão dos anos sessenta. As suas chopped hogs eram motos praticamente depenadas, tudo que não comprometesse o fato da moto andar, era retirado, elas eram limpas, e aí customizadas, mas não como um carro alegórico, mas sim com novos aros, modificações na carenagem, quadro e qualquer outra parte possível, tentando torná-las originais, mas não caricatas. Com isso tudo eu quero dizer o seguinte: tu não é fodão só porque anda em uma Shadow 0 km. Tu estás mais é pra um desses caras aqui: http://www.youtube.com/watch?v=YTwJHgvepO0
Eu havia comentado no outro texto, que apesar da imagem de “fora-da-lei”, eles não cometiam crimes e contravenções deliberadamente, quando isso acontecia, tinha muito mais a ver com as convicções muito diferentes da sociedade em que estavam inseridos e do grau de liberdade que desfrutavam moralmente. Isso aqui deixa claro:
     

     “Nós somos o um por cento, cara. O um por cento que não se ajusta e não está nem aí. Então não me venha falar das suas despesas com hospital, das suas multas de trânsito. Quer dizer, você tem sua mulher, sua moto e seu banjo e você está seguindo sua vida. Saímos a socos e pontapés de centenas de brigas, sobrevivemos com nossas botas e punhos, somos a nobreza entre os motoqueiros fora da lei, baby.” – Um Hell’s Angel desconhecido.


     Eu adoro essa auto-descrição, ela transpassa o fato de que eles não eram pessoas comuns, e não podiam ser julgados pelo senso comum, porque na realidade em que viviam, o senso comum não funcionava, não trazia renda nenhuma, muito menos segurança. Eles sobreviviam, apenas. A maioria trabalhava em funções dadas aos latinos e negros, em uma sociedade ainda muito marcada por práticas segregacionistas. Eles eram estivadores no porto, caminhoneiros baratos, mecânicos de fundo de quintal, vigias noturnos, carregadores, etc. Com a repercussão dos seus atos de vandalismo na imprensa, é fácil de entender o impacto positivo estrondoso que a fama teve no ego desses indivíduos, inclusive gerando certa rivalidade entre divisões, em busca de maior repercussão, pois na época a fé cega na imprensa era muito mais presente que hoje.
Membros lendo o fantasioso "relatório Lynch", so o MC


“Você negaria publicações impressas?” – Lema anglo-saxão


“Acorda e aproveita cara! Nós somos os Texas Rangers!” – outro Hell’s Angel deixando comentário pra posteridade.


     A frase acima não é de autoria própria de um membro do clube, ela advém de um artigo de imprensa que foi um marco da reviravolta entre a relação entre os meios de comunicação e os Hell’s Angels. Uma vez que utilizar o nome do clube como uma ameaça à civilidade e à ordem pública já não vendia mais tantos jornais como outrora, resolveram mudar de tática, e então os promoveram a heróis de um estilo de vida livre e desregrado. Foram comparados aos Texas Rangers, pois peregrinavam de cidade em cidade, com seus objetivos não muito claros, alcançando-os através de grande confusão e geralmente envolvendo uma briga, às vezes um tiroteio quando a polícia assustada resolvia atacar primeiro. E a nova tática vendeu ainda mais impressos que a anterior.


     Como já comentei antes, a década de sessenta foi marcada pelo surgimento do movimento hippie em grandes proporções, e condutas “alternativas” estavam na moda. Porém a moda hippie é uma moda muito pouco lucrativa para quem vende produtos legalizados, ela espalhava idéias muito pouco favoráveis à uma sociedade capitalista e consumista, e para piorar, crescia em um ritmo assombroso. Mas têm-se então um grupo de motoqueiros, caricatos, desordeiros, a maioria apolitizado, e os que se interessavam pelo tema, eram de centro-direita ou extrema direita, ou seja, um grupo perfeito para servir de contra-cultura às frentes alternativas da época. Quando os meios de comunicação foram informados disso pelos seus investidores, aí sim que a corrida do motoclube em direção à fama perdeu seus freios.
     

     Os radicais de direita encontraram vários motivos para tornar, não só e clube em questão, mas todos os motociclistas “fora-da-lei”, no seu estandarte contra os movimentos igualitários, que a escolha se tornou muito óbvia. Mas vale ressaltar que isso nunca partiu oficialmente de ninguém, e talvez até hoje os motociclistas da época tenham idéia de que foram usados dessa forma. Haviam entre eles os que ostentavam suásticas, caveiras em chamas, o “88”, ou o “SS”. Ninguém era perguntado sobre suas convicções políticas ao entrar no clube, mas a maioria dos que portavam esses símbolos extremistas, o faziam pelo seu efeito nos “cidadãos de bem”, e não por alguma causa específica.



     “Os Angels não admitem, mas um de seus maiores divertimentos nas viagens vem de assustar e brincar com os cidadãos pelo caminho” – Trecho do livro de Hunter Thompson.

     “Quando você passa por um lugar onde as pessoas podem te ver, você quer parecer tão repulsivo e repugnante quanto possível” – Um Angel em entrevista à Examiner.

     “Nós somos completos anti-sociais. Forasteiros contra a sociedade. E este é o jeito que queremos ser. Qualquer coisa boa, nós rimos dela. Nós somos bastardos para o mundo, e todos do mundo são bastardos para nós.” – Um Angel filosofando.



     Assim finalizo essa segunda parte de um especial, que me foi inspirado ao ouvir falar de um tal seriado, que comentarei na parte seguinte. Tentei comentar o meu ponto de vista sobre a situação geral da época, e ainda vou falar sobre os resquícios que tudo isso tem nos dias de hoje. Não vou mais me ater muito em questões às vezes enfadonhas como as já citadas, e no próximo “capítulo”, vou apenas transcrever as histórias mais interessantes e significativas que encontrei no livro, que recomendo muito a quem (espero que alguém) esteja lendo e gostando disso aqui. Sei que deixei várias pontas soltas, e como um bom autor ( haha), prenderei elas em seguida. Abraços.

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