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A Caveira Alada é o símbolo do clube |
Nesta segunda parte da minha (viagem ) crônica sobre os míticos Hells Angels
pretendo comentar justamente o motivo de eu usar esse adjetivo para os
descrever. O que eles faziam, de bom e de mau, apesar de às vezes ser aumentado
e exagerado pela imprensa da época, atingia um certo nível até então
inexplorado, e só faz sentido quando nos damos conta dos seus antagonistas na
sociedade americana da época, os Hippies, com quem só tinham em comum o uso
abusivo de drogas. Como da outra vez, uso trechos do livro homônimo à gangue,
escrito por Hunter Thompson, como base das minhas opiniões e transcrevo trechos
interessantes.
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Origens remontam a WWII, vide parte 1 |
Começo por derrubar um engano comum: se tu compras uma
Harley, ou qualquer outra marca que te venda uma custom, tu não estás dirigindo
igual um motociclista fodão dos anos sessenta. As suas
chopped hogs eram motos praticamente depenadas, tudo que não
comprometesse o fato da moto andar, era retirado, elas eram limpas, e aí
customizadas, mas não como um carro alegórico, mas sim com novos aros, modificações
na carenagem, quadro e qualquer outra parte possível, tentando torná-las
originais, mas não caricatas. Com isso tudo eu quero dizer o seguinte: tu não é
fodão só porque anda
em uma
Shadow 0 km.
Tu estás mais é pra um desses caras aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=YTwJHgvepO0
Eu havia comentado no outro texto, que apesar da imagem
de “fora-da-lei”, eles não cometiam crimes e contravenções deliberadamente,
quando isso acontecia, tinha muito mais a ver com as convicções muito
diferentes da sociedade em que estavam inseridos e do grau de liberdade que
desfrutavam moralmente. Isso aqui deixa claro:
“Nós somos o um por cento, cara. O um por cento que não
se ajusta e não está nem aí. Então não me venha falar das suas despesas com
hospital, das suas multas de trânsito. Quer dizer, você tem sua mulher, sua
moto e seu banjo e você está seguindo sua vida. Saímos a socos e pontapés de
centenas de brigas, sobrevivemos com nossas botas e punhos, somos a nobreza
entre os motoqueiros fora da lei, baby.” – Um Hell’s Angel desconhecido.
Eu adoro essa auto-descrição, ela transpassa o fato de
que eles não eram pessoas comuns, e não podiam ser julgados pelo senso comum,
porque na realidade em que viviam, o senso comum não funcionava, não trazia
renda nenhuma, muito menos segurança. Eles sobreviviam, apenas. A maioria
trabalhava em funções dadas aos latinos e negros, em uma sociedade ainda muito
marcada por práticas segregacionistas. Eles eram estivadores no porto, caminhoneiros
baratos, mecânicos de fundo de quintal, vigias noturnos, carregadores, etc. Com
a repercussão dos seus atos de vandalismo na imprensa, é fácil de entender o
impacto positivo estrondoso que a fama teve no ego desses indivíduos, inclusive
gerando certa rivalidade entre divisões, em busca de maior repercussão, pois na
época a fé cega na imprensa era muito mais presente que hoje.
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Membros lendo o fantasioso "relatório Lynch", so o MC |
“Você negaria publicações impressas?” – Lema anglo-saxão
“Acorda e aproveita cara! Nós somos os Texas Rangers!” –
outro Hell’s Angel deixando comentário pra posteridade.
A frase acima não é de autoria própria de um membro do
clube, ela advém de um artigo de imprensa que foi um marco da reviravolta entre
a relação entre os meios de comunicação e os Hell’s Angels. Uma vez que
utilizar o nome do clube como uma ameaça à civilidade e à ordem pública já não
vendia mais tantos jornais como outrora, resolveram mudar de tática, e então os
promoveram a heróis de um estilo de vida livre e desregrado. Foram comparados
aos Texas Rangers, pois peregrinavam de cidade em cidade, com seus objetivos
não muito claros, alcançando-os através de grande confusão e geralmente
envolvendo uma briga, às vezes um tiroteio quando a polícia assustada resolvia
atacar primeiro. E a nova tática vendeu ainda mais impressos que a anterior.
Como já comentei antes, a década de sessenta foi marcada
pelo surgimento do movimento hippie em grandes proporções, e condutas
“alternativas” estavam na moda. Porém a moda hippie é uma moda muito pouco
lucrativa para quem vende produtos legalizados, ela espalhava idéias muito
pouco favoráveis à uma sociedade capitalista e consumista, e para piorar,
crescia em um ritmo assombroso. Mas têm-se então um grupo de motoqueiros,
caricatos, desordeiros, a maioria apolitizado, e os que se interessavam pelo
tema, eram de centro-direita ou extrema direita, ou seja, um grupo perfeito
para servir de contra-cultura às frentes alternativas da época. Quando os meios
de comunicação foram informados disso pelos seus investidores, aí sim que a corrida
do motoclube em direção à fama perdeu seus freios.
Os radicais de direita encontraram vários motivos para
tornar, não só e clube em questão, mas todos os motociclistas “fora-da-lei”, no
seu estandarte contra os movimentos igualitários, que a escolha se tornou muito
óbvia. Mas vale ressaltar que isso nunca partiu oficialmente de ninguém, e
talvez até hoje os motociclistas da época tenham idéia de que foram usados
dessa forma. Haviam entre eles os que ostentavam suásticas, caveiras em chamas,
o “88”, ou
o “SS”. Ninguém era perguntado sobre suas convicções políticas ao entrar no
clube, mas a maioria dos que portavam esses símbolos extremistas, o faziam pelo
seu efeito nos “cidadãos de bem”, e não por alguma causa específica.
“Os Angels não admitem, mas um de seus maiores
divertimentos nas viagens vem de assustar e brincar com os cidadãos pelo
caminho” – Trecho do livro de Hunter Thompson.
“Quando você passa por um lugar onde as pessoas podem te
ver, você quer parecer tão repulsivo e repugnante quanto possível” – Um Angel
em entrevista à Examiner.
“Nós somos completos anti-sociais. Forasteiros contra a
sociedade. E este é o jeito que queremos ser. Qualquer coisa boa, nós rimos
dela. Nós somos bastardos para o mundo, e todos do mundo são bastardos para
nós.” – Um Angel filosofando.
Assim finalizo essa segunda parte de um especial, que me
foi inspirado ao ouvir falar de um tal seriado, que comentarei na parte
seguinte. Tentei comentar o meu ponto de vista sobre a situação geral da época,
e ainda vou falar sobre os resquícios que tudo isso tem nos dias de hoje. Não
vou mais me ater muito em questões às vezes enfadonhas como as já citadas, e no
próximo “capítulo”, vou apenas transcrever as histórias mais interessantes e
significativas que encontrei no livro, que recomendo muito a quem (espero que
alguém) esteja lendo e gostando disso aqui. Sei que deixei várias pontas soltas, e como um bom autor ( haha), prenderei elas em seguida. Abraços.